“O povo não tem cultura! nós temos cultura porque...”: efeitos de uma dicotomia*
DOI:
https://doi.org/10.20435/serie-estudos.v0i20.429Resumo
O trabalho é fruto da tese de doutorado, defendida na UNISINOS, São Leopoldo – RS, cujo orientador foi o professor doutor Lúcio Kreutz. Tem como campo teórico os Estudos Culturais Pós-Estruturalistas, campo que problematiza a dicotomia alta e baixa cultura. Mesmo não concordando com esta dicotomia, segundo este campo não se pode deixar de levar em conta que ela continua presente, produzindo vários efeitos. Assim questioná-la, mostrando que produz um conjunto de efeitos nas identidades/diferenças, efeitos por meio dos quais a baixa cultura tende a ser vista como abjeta e inferior não significa que não deva ser mencionada e analisada, quando ela se constitui em uma marca central para determinados grupos. Esta análise, longe de ser uma legitimação da dicotomia, procura fazer parte de um processo de desconstrução. Além disso, este campo afirma a centralidade da cultura, vista como um processo de atribuição de sentido, atravessado pelas relações de poder no qual a linguagem, mais do que dizer como é a realidade, produz a realidade. A cultura é central não porque é superior a outras dimensões (econômica, política, sexual...), mas porque está presente em tudo. Assim, com o intuito de compreender as representações de cultura que estudantes de Ensino Médio de uma escola particular da grande Porto Alegre são levados a produzir e quais os efeitos destas representações para as identidades/diferenças é que se lançou mão de entrevistas, debates, observações e redações, por meio das quais foi possível compreender que a dicotomia alta cultura x baixa cultura é uma marca central na representação de cultura, produzindo vários efeitos tanto para os processos de identificação quantode diferenciação cultural. Os estudantes identificam-se como fazendo parte da alta cultura, sobretudo por estudarem em escolas particulares, por assistirem TV a cabo, por terem capacidade de consumir, por terem condições de fazer viagens, irem ao teatro, escutarem músicas “cultas” e por se “esforçarem” bastante e conseguirem aprovação para uma universidade federal. Já os outros, segundo eles (os outros para eles são os pobres), pertencem à baixa cultura, porque estudam em escolas públicas, assistem TV aberta, não tem condições de consumir, não viajam, não vão ao teatro, escutam músicas “bregas” e não se esforçam, por isto, no máximo freqüentarão uma universidade particular. Pode-se concluir que a dicotomia alta cultura x baixa cultura está presente em todos os momentos da pesquisa e está atravessada por uma questão econômica, na qual o pobre, visto como sujeito sem cultura, passa a ser representado não apenas como alguém sem condições materiais, mas como alguém que condensa todos os significados indesejáveis para os que se identificam como pertencentes à alta cultura.
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